O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul reviu decisão e decidiu colocar freio na farra com o dinheiro público na Câmara Municipal de Campo Grande. Por unanimidade, em julgamento realizado na última quarta-feira (26), a 3ª Câmara Cível considerou ilegal e determinou a suspensão do aumento de 20% na verba indenizatória, que tinha passado de R$ 25 mil para R$ 30 mil.
O decreto do presidente da Câmara Municipal, Carlos Augusto Borges, o Carlão (PSB), foi considerado ilegal porque não respeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal ao não prever o impacto financeiro, não estar previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias nem na PPA.
Em sete anos, o valor da verba indenizatória paga a cada um dos 29 vereadores acumula aumento de 257%, já que passou de R$ 8,4 mil para R$ 30 mil. O caso é um deboche com a sociedade campo-grandense diante da gravidade das finanças da prefeitura, que não concede reajuste salarial aos servidores, não cumpre decisões judicias e até sofre com a falta de medicamentos por falta de recursos financeiros.
O freio na farra ocorreu graças ao advogado Sérgio Sales Machado Júnior, de Minas Gerais, que tomou a iniciativa de propor ação popular contra os atos de Carlão. Em outubro do ano passado, o socialista determinou o reajuste de 20% na verba indenizatória.
Dois meses após a ação ser protocolada, no final de dezembro do ano passado, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, concedeu liminar para suspender o reajuste. Em menos de 24 horas, o desembargador Paulo Alberto de Oliveira, do TJMS, acatou pedido da Câmara e suspendeu a liminar que anulou o reajuste.
Agora, seis meses após a liminar, o desembargador votou pela revogação da liminar e para determinar a suspensão do reajuste de 20% na verba indenizatória. O relatório foi aprovado por unanimidade, com os votos do juiz Alexandre Branco Pucci e do desembargador Marco André Nogueira Hanson.
Para o relator, o legislativo tem autonomia financeira. No entanto, essa regra não dá liberdade para que os vereadores de Campo Grande atuem fora da lei e promovam uma verdadeira farra com o dinheiro público como se não tivessem que seguir a Constituição Federal e a legislação nacional, estadual e municipal.
“Mais especificamente quanto aos atos de criação ou aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado – que se caracterizam pelas despesas derivadas de lei, medida provisória ou ato administrativo que fixem obrigação de execução por período superior a dois exercícios, independentemente de se enquadrar, ou não, como ‘despesa de custeio’ –, a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe que devem ser instruídos com estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes, devendo tal estudo estar acompanhado das premissas e metodologias de cálculo utilizadas (art. 17, § 1º c/cart. 16, inc. I e § 2º)”, pontuou Oliveira.
“Além disso, o art. 17, §§ 2º, 3º e 4º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, exige que o ato de criação ou aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado: I) seja acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias; II) tenha seus efeitos financeiros compensados, nos períodos seguintes, através do aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa; e, III) esteja acompanhado do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do Plano Plurianual – PPA e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO”, ressaltou, concordando com os argumentos do advogado mineiro.
“Da leitura desses atos administrativos, já sobressai que não são tendentes a meramente revisar os valores de acordo com a correção monetária, mas sim efetivamente majorá-los”, destacou o desembargador Paulo Alberto de Oliveira. O aumento de 257% em sete anos só seria factível se os vereadores campo-grandenses vivessem na Argentina ou na Venezuela, onde a inflação supera dois dígitos por mês.
“Entretanto, aparentemente, pelo que se extrai dos autos, tais exigências não foram cumpridas, vez que a Câmara Municipal de Campo Grande – MS, instada a se manifestar antes da decisão agravada (que determinou a suspensão dos efeitos financeiros dos atos), limitou-se a tecer argumentação sobre a sua autonomia financeira, sem acostar aos autos qualquer documento capaz de demonstrar a realização dos estudos exigidos pela lei”, rebateu.
O desembargador apontou que Carlão alegou ter realizado a estimativa de receita, mas não cumpriu ou apresentou à Justiça nem à sociedade justificativa plausível. “Aliás, a Câmara Municipal de Campo Grande – MS relatou que ‘o impacto orçamentário causado pela edição dos atos normativos foi devidamente analisado pela autoridade competente’ (f. 76, na origem); contudo, não produziu prova alguma acerca dessa alegação”, anotou, desmarcando o presidente da Casa de Leis.
“A par de todas essas ponderações, verifica-se, em juízo de cognição prefacial, que os Atos da Mesa Diretora nº 281 e 282, de 19/09/ 2023 estão mesmo eivados de ilegalidade, ante a inobservância dos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal”, concluiu o relator.
“Importante asseverar que não se está negando a autonomia financeira e administrativa do Poder Legislativo Municipal, mas sim conformando tal atributo ao arcabouço normativo aplicável a todos os Poderes Estatais”, explicou o desembargador.
“Aliás, conforme bem asseverou a ilustre Procuradora de Justiça Dra. Sara Francisco Silva, ‘apesar da Câmara Municipal possuir autonomia financeira, essa autonomia não é incondicionada, devendo observância às leis orçamentárias e fiscais, bem como ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, sob pena de se permitir a atribuição de qualquer montante para a referida verba, sem justificativa plausível’”, destacou.
“Se de fato tiverem revogado o recurso, e mantido a suspensão do aumento da verba indenizatória de 5.000 reais, a decisão estão em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a Carta da República e com precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal”, comemorou Sérgio Sales.
A Câmara pode recorrer. Os vereadores estão tão mal acostumados, que dão de ombros para quem na sociedade critica a farra com o dinheiro público e vão para as eleições deste ano arrotando favoritismo, no melhor estilo, tipo “tô nem aí”.