Justiça Federal condena envolvidos na Operação “Sangue Frio”

A Justiça Federal condenou dois ex-assessores do ex-diretor do Hospital Universitário José Carlos Dorsa Vieira Pontes e o dono da empresa Multinox por peculato e corrupção ativa e passiva. O trio foi sentenciado a quatro anos de prisão, no regime semiaberto, e a devolver pelo menos R$ 3,286 milhões, valor dos prejuízos causados pelo desvio do dinheiro público.

A ação é decorrente da Operação Sangue Frio, deflagrada pela Polícia Federal em março de 2013, que desvendou o esquema criminoso para desviar recursos do HU, então comandado por José Carlos Dorsa, e do Hospital do Câncer Alfredo Abrão. O cardiologista era um dos acusados, mas morreu em decorrência de um ataque cardíaco em 2018. Meses depois, a ação penal foi recebida.

Primo do ex-diretor do HU, Antonio Carlos Cantero Dorsa, conhecido como Cacaio, o empresário Germano Peralta Barbosa, e o servidor Rodrigo Soares de Freitas foram considerados culpados pela 5ª Vara Federal de Campo Grande, 11 anos após a operação da PF. Outros quatro réus foram absolvidos por falta de provas.

A denúncia do Ministério Público Federal aponta dois contextos em que ocorreram os crimes, o direcionamento da contratação da empresa Solution/Multinox que promoveu o desvio de verbas, e o posterior pagamento e recebimento de propina em decorrência da execução do contrato.

Conforme o MPF, houve  montagem de processos administrativos e contratos para direcionar as obras de reestruturação física do HU para a Solution, que seria vinculada ao então diretor-geral do Hospital Universitário; e emissão de boletins de medição e notas fiscais com superfaturamento das obras.

Levantamento realizado no Portal da Transparência do Governo Federal demonstrou que o HU pagou à empresa o montante de R$ 5.688.350,14. Foram repassados R$ 4.654.119,15 em 2012 e R$ 1.041.230,99 em 2013.

“A escolha da SOLUTION.COM, como já narrado, serviu para encobrir a subcontratação da empresa MULTINOX (Battiston & Barbosa Ltda – ME), da rede de relacionamento familiar do Diretor-Geral do HU JOSÉ CARLOS DORSA VIEIRA PONTES, e foi amparada em manipulação de documentos, montagem processual e fraude na execução dos contratos”, denunciou o MPF.

As irregularidades foram “fartamente” comprovadas em relatório da Controladoria-Geral da União e processos administrativos, sendo confirmadas por testemunhas ouvidas em juízo durante o processo, conforme a sentença do juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, publicada no Diário Oficial da Justiça Federal de 18 de junho.

Consta da prova dos autos que a escolha da Solution partiu do então diretor José Carlos Dorsa, e de sua assessoria, especialmente Antonio Carlos Cantero Dorsa e Rodrigo Soares de Freitas, conforme a sentença.

“Restou demonstrado que o objetivo dos envolvidos era encontrar uma empresa que aceitasse o serviço para posterior subcontratação da empresa MULTINOX, de propriedade de GERMANO PERALTA BARBOSA”, relata o magistrado. “Não houve qualquer justificativa para a escolha da SOLUTION”.

A CGU, por sua vez, apurou que havia outras empresas habilitadas na ata de registro de preço, com condições de prestar o serviço. O órgão constatou que a Multinox possuía vínculo com Antônio Carlos Cantero Dorsa e José Carlos Dorsa.

Firmado o acerto com a Solution, houve a subcontratação da reforma em favor da Multinox, mesmo havendo vedação expressa no contrato para tal prática. Após isso, desenvolveu-se uma série de atos para, segundo o MPF, materializar o desvio de recursos públicos.

Segundo o juiz Luiz Augusto Fiorentini, as defesas tentaram descredibilizar o relatório da CGU, mas não apresentaram “qualquer evidência capaz de afastar a prova sobre a ilegalidade nos pagamentos e a incompatibilidade entre as notas fiscais e os boletins de medição”.

As interceptações telefônicas também demonstram a atuação dos assessores de José Carlos Dorsa e a sua relação direta com Germano Peralta Barbosa, de acordo com o magistrado.

Gravações em agência bancária

Segundo a denúncia, entre março de 2012 e fevereiro de 2013, os réus favoreceram o pagamento da empresa Solution.Com em detrimento de outros fornecedores e serviços essenciais utilizados pelo Hospital Universitário.

Filmagens obtidas no curso do processo mostram encontro entre os acusados em agência do Banco do Brasil e “deixa explícito” a entrega de quantia em dinheiro por Germano Peralta a Antonio Carlos Dorsa, de acordo com a sentença.

“Os registros bancários comprovam que, na data dos fatos, houve o saque do valor de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais) da conta da MULTINOX, realizada por seu representante GERMANO PERALTA BARBOSA”, informa o juiz. “Por sua vez, houve juntada de comprovante de que, no mesmo dia, ANTONIO CARLOS CANTERO DORSA fez um depósito em sua conta no valor R$ 4.000,00 (quatro mil reais)”.

Germano e Cacaio negam a irregularidade, mas o magistrado afirma que “as provas são robustas o suficiente para comprovar as pressões que exercia no núcleo administrativo do HU para estabelecer o pagamento das vantagens indevidas a GERMANO”. Haviam também sucessivas ligações telefônicas entre os dois para tratar de pagamentos, com repasse de dinheiro físico.

Os registros obtidos com as interceptações telefônicas e quebra de sigilo de dados também demonstram o saque do valor de R$ 39 mil, assim como o depósito de R$ 4 mil na conta de Cacaio. Os réus não juntaram qualquer elemento capaz de justificar o recebimento da verba, segundo o juiz.

“Como já ressaltado nos tópicos anteriores, há suficiente prova de que houve direcionamento da contratação para beneficiar de MULTINOX, com o fito de obter as vantagens indevidas”, concluiu o magistrado.

Antônio Carlos Cantero Dorsa e Rodrigo Soares de Freitas foram condenados por peculato e corrupção passiva. O primeiro foi sentenciado a quatro anos, oito meses e 24 dias de reclusão, no regime semiaberto, além do pagamento 22 dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Já Rodrigo Soares pegou a pena de quatro anos e quatro meses de reclusão, também no semiaberto, além do pagamento de 21 dias-multa.

O empresário Germano Peralta Barbosa terá de cumprir quatro anos, oito meses e 24 dias de reclusão, no regime semiaberto, além do pagamento de 22 dias-multa.

Os três condenados também foram sentenciados ao pagamento de indenização mínima de R$ 3.286.514,00, que é o valor dos prejuízos causados pelos crimes cometidos. Eles podem recorrer em liberdade.

Por falta de provas, foram inocentados os acusados Rodrigo Antonio Battiston, Ivan de Abreu Sobrinho, Enesio do Espirito Santo e Paulo Sergio Silva de Oliveira.

 

oj

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