Uma viagem bate e volta entre São Paulo e Rio seria o cenário ideal para colocar um carro 100% elétrico na estrada. A oportunidade surgiu no feriado do Natal, período de grande movimento nas estradas.
A experiência adquirida no teste Folha-Mauá mostrou que o ideal seria conseguir um carro com, pelo menos, 400 km de autonomia. A Ford tinha um disponível: o recém-lançado Mustang Mach E (R$ 486 mil).
Eis o primeiro aprendizado: carros elétricos compactos de baixa autonomia e pouca potência são eficientes no uso urbano, mas podem deixar o motorista na estrada se a distância entre um eletroposto e outro for longa.
Há ainda o risco de o equipamento estar inoperante, como relatam diversos motoristas no aplicativo PlugShare, que exibe mapas com eletropostos em diferentes regiões e permite a interação entre os usuários.
Em meio ao trânsito e às baixas velocidades permitidas em áreas urbanas da capital, a autonomia caía lentamente. Por aproveitar a energia despendida nas freadas, carros elétricos se dão bem em engarrafamentos.
O plano inicial era dirigir por 169 km até o posto Arco Íris, em Roseira (interior de São Paulo), e fazer a primeira recarga em um ponto instalado pela Vibra Energia.
Entretanto, o navegador indicou que o melhor caminho naquele momento seria pela rodovia Carvalho Pinto, onde havia um carregador rápido da mesma empresa, que tem o contrato de licenciamento da marca Petrobras. Os plugues ficam na cidade paulista de São José dos Campos.
Contudo, havia um Chevrolet Tracker –que é flex, não elétrico– ocupando as duas vagas dos carregadores tipo CCS, que tem maior potência (em geral, entre 43 kW e 150 kW). Havia um casal no carro.
Ao ser avisada de que se tratava de um ponto exclusivo para carros eletrificados, a mulher afirmou estar grávida. Em seguida, disse que o marido só estacionou ali por se tratar de uma emergência: era preciso dar água para o cachorro que viajava com eles.
O Tracker desocupou a vaga e a recarga foi iniciada. Antes, contudo, foi preciso baixar o aplicativo da empresa Easy Volt (que gerencia o pagamento), fazer o cadastro e registrar o cartão de crédito.
É uma tendência: após um período de cortesia, os eletropostos começam a cobrar pela energia. Mas ainda há pontos gratuitos, como os destacados em quatro roteiros de viagem a partir de São Paulo.
Em 18 minutos, chegou-se a 80% da carga. Foram 21,6 kWh a um custo de R$ 55. Nesse tempo, um BMW 330e, híbrido plug-in (pode ser carregado na tomada), estacionou ao lado, no espaço com tomada tipo 2, de carga lenta (entre 7 kW e 22 kW). O proprietário tentou acessar o aplicativo, mas não conseguiu. Após reclamar da burocracia, seguiu viagem usando apenas gasolina.
A dificuldade em acessar os aplicativos que desbloqueiam os carregadores está entre as principais reclamações do app PlugShare. Falhas de operação também são relatadas.
“Fiquem atentos, porque, às vezes, o carregador desliga e é necessário recomeçar”, escreveu o dono de um Volvo XC40 que usou o eletroposto da Vibra Energia no dia 23. Na mesma data, o motorista de um Chery Tiggo 8 Hybrid reclamou do preço. “R$ 2,50/kW, muito caro.”
O valor é o mesmo cobrado na unidade do posto Arco Íris Roseira, que oferece uma vantagem: as duas vagas de recarga (lenta e rápida) são cobertas. Isso faz diferença principalmente se estiver chovendo, como ocorreu em Piraí (RJ), no Mamão Restaurante.
Foi uma parada rápida: os 10 minutos necessários para conseguir acionar o carregador foram equivalentes ao tempo plugado. O sistema estava fora do ar, sendo necessário pedir auxílio a um frentista do posto Ipiranga ao lado.
O atendente desbloqueou o equipamento com um cartão próprio –nesse caso, não houve cobrança. Caso estivesse conectado à internet, o aparelho seria desbloqueado por meio do aplicativo WeCharge. O kWh custa R$ 1,90.
Nem todos os eletropostos que usam aplicativos oferecem a possibilidade de desbloqueio offline.
“O sistema estava inoperante. O telefone para auxiliar não atendeu. Ninguém do posto entendia como funcionava. Em suma, um caos”, disse, em outubro, o dono de um BYD Yuan Plus que tentou usar o carregador da WeCharge no Posto Nacional —que também fica em Piraí, mas no sentido São Paulo. Essa foi a primeira parada na viagem de volta, na segunda-feira (25).
Após passar a véspera de Natal na garagem, o Mach-E tinha 35% de carga e autonomia para rodar 147 km. Esse número foi atingido após algumas horas plugado em uma tomada residencial de 220V, já que o Mustang veio com um carregador portátil com conector de três pinos (20 amperes).
Isso só foi possível por se estar em uma casa na zona oeste do Rio. Se a hospedagem fosse em um prédio, seria difícil conseguir autorização ou mesmo um conector adequado.
Instalada ao lado da piscina, a tomada disponível é destinada aos refletores do quintal. Por isso, só foi possível manter o carro conectado enquanto havia luz solar. Em oito horas, foram recuperados 27,2 kW. Nesse ritmo, seriam necessárias 27 horas para que a bateria de 91 kWh fosse do zero até a carga completa.
Esse tipo de recarga exige atenção às especificações do carregador portátil. Não é possível usar adaptadores, pois há risco de aquecimento. Se detectar algum problema na rede, o sistema é desligado automaticamente.
O Posto Nacional estava a 63 km de distância, mas havia um obstáculo pela frente: a subida da Serra das Araras, entre os municípios de Paracambi e Piraí, no Rio de Janeiro. Não faltou potência ao Mustang para vencer o longo aclive, mas ver a autonomia cair rapidamente nessa condição gerou palpitações.
Mas como tudo que sobe tem que descer, o Mach E foi recuperando um pouco da carga nas frenagens que vieram a seguir, chegando ao eletroposto com autonomia para mais 72 km.
Mas havia um BYD Seal plugado no carregador rápido. A boa notícia era que o sistema estava funcionando normalmente, porém seria necessário esperar. Com o crescimento da frota, andar de carro 100% elétrico no Brasil exige boas doses de sorte e paciência.
Felizmente havia dois carregadores tipo 2 (lentos) instalados sob um telhado de placas solares. O Mustang ficou conectado ali por uma hora, até que o dono do BYD seguiu viagem.
A carga do Mach E foi complementada no plugue rápido. Foram 31,18 kWh em cerca de quarenta minutos ao custo de R$ 61,24, que inclui a taxa de serviço de R$ 2.
Após quase duas horas de parada, havia energia suficiente para chegar até o posto Arco Íris Roseira, cujo carregador rápido oferece até 150 kW de potência, que pode variar de acordo com o carro.
No caso do Mustang, foram 100 kW no início do abastecimento, número que caiu para 80 kW na parte final. É normal que isso ocorra, para evitar sobrecarga e danos à bateria. Quando se aproxima dos 100% da capacidade de armazenamento, o ritmo já é o mesmo dos carregadores lentos.
Em 30 minutos, foram 45,96 kWh recarregados ao custo de R$ 115,91. Energia suficiente para rodar 200 km –que somados ao que ainda havia de energia dava para chegar em casa com folga.
Nesse último trecho, de 160 km, a ansiedade foi embora. O medo de encontrar plugues ocupados ou inoperantes havia ido embora, e só então foi possível curtir o carro. Ainda houve uma última parada no Shopping Morumbi (zona sul de São Paulo), onde o carro foi conectado em um carregador lento (gratuito) que fica na garagem.
O Mustang Mach E ainda vai passar pelo Teste Folha-Mauá. Trata-se de um SUV de alto desempenho, mas que roda com conforto na estrada. Silencioso como todo carro elétrico, oferece bom espaço e uma tela gigante instalada na vertical. Todas as informações do carro estão concentradas ali.
E sim, é estranho ver o cavalinho que simboliza a marca colocado na dianteira de um utilitário esportivo –mais ainda sem o barulho do motor 5.0 V8 a gasolina do cupê Mach (R$ 576,5 mil). São os novos tempos.
fonte: Folha Mauá