Aumento no número de idosos com planos de saúde impacta as operadoras de Mato Grosso do Sul, gerando aumento nos usos e desequilíbrio financeiro, afirma gestor da Cassems.
A série de reportagens produzida pelo Correio do Estado aponta para um cenário de crise financeira no mercado de saúde suplementar no Brasil e no Estado.
Apesar de em 2022 os planos de saúde atuantes no Estado terem terminado o ano com lucro de R$ 71,6 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras apontam algumas dificuldades.
Em nota, a Unimed Campo Grande informou que tem enfrentado dificuldades, principalmente após a pandemia, mas está conseguindo manter o equilíbrio econômico-financeiro.
Já a Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul (Cassems) teve seu primeiro balanço negativo da história em 2021, com um prejuízo operacional de R$ 37 milhões. Ricardo Ayache, gestor do plano de saúde, relata que no ano passado houve uma “leve melhora”, quando fecharam o período com lucro de R$ 20 milhões.
Em relação ao Brasil, a ANS aponta que as operadoras de planos de saúde apresentaram um desequilíbrio econômico em 2022 de R$ 11,5 bilhões – só no primeiro trimestre deste ano, houve um deficit de R$ 1,7 bilhão.
Em contrapartida, usuários de planos de saúde reclamam da demora para marcar consultas com especialistas e do pagamento de taxas de equipamentos cirúrgicos. As judicializações contra as operadoras cresceram e chegaram a 3.240 processos em 2022, sendo a principal demanda o tratamento médico-hospitalar.
Em razão das dificuldades que os planos de saúde estão enfrentando nesse período pós-pandemia, o Correio do Estado conversou com o médico cardiologista e gestor da Cassems, Ricardo Ayache.
Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostraram que, em Mato Grosso do Sul, a maior parte das pessoas com planos de saúde são adultos, com idosos e crianças atrás. Na Cassems também é assim?
Aqui na Cassems também tem essa situação da maioria de adultos, mas há um crescimento significativo do número de idosos, como tem acontecido em todo o Brasil. Há o envelhecimento natural da população, entende, a gente está vivendo mais.
Essa diferença entre as faixas etárias causa dificuldades de custeio para o plano? Quais?
O envelhecimento crescente leva a um aumento das despesas com assistência à saúde. Por isso que nós temos investido progressivamente em programas de prevenção e promoção à saúde e programas específicos também de avaliação de acompanhamento dos idosos ao longo das suas vidas.
Obviamente, também fazendo um acompanhamento dos pacientes desde a idade mais jovem, mais precoce, para que a gente possa realmente envelhecer com qualidade. Esse é um trabalho que nós estamos fazendo há alguns anos.
Entre essas dificuldades de custeio, quais você destaca?
Na verdade, o que a gente percebe é a questão do envelhecimento populacional, mas existe também adoção de muitas tecnologias que nem sempre são as que produzem melhor resultado para os pacientes.
Há também uma evolução dos tratamentos de diversas doenças, e com medicamentos de custo bastante elevado. Isso também leva a um aumento dos custos assistenciais, a inflação da saúde é maior do que a inflação geral, e nós temos um setor fortemente regulamentado pela Agência Nacional de Saúde e que traz muitas obrigações aos planos posteriores à celebração dos contratos com seus clientes.
Isso também tem causado algumas dificuldades. Fatores muito importantes nos últimos três anos foram a pandemia e seus efeitos. Primeiro, no momento em que a pandemia estava acontecendo, depois, as sequelas da pandemia, a sobrecarga dos atendimentos que ficaram represados no período.
Isso realmente tem trazido grandes dificuldades no cenário da saúde suplementar no Brasil, tanto é que, no ano passado, os planos de saúde brasileiros fecharam o ano com prejuízo operacional de R$ 11 bilhões. Isso ocorrendo em todo o Brasil, é algo que a gente precisa entender no cenário dos planos de saúde.
Como avalia hoje a situação dos planos de saúde em Mato Grosso do Sul? Qual o principal gargalo?
São as mesmas situações que todos os planos de saúde no País têm enfrentado. Sem dúvida alguma, são dificuldades importantes, passam, no nosso entendimento, por um debate muito profundo sobre o modelo de saúde a ser prestado no Brasil e a ser implantado sobre o modelo de saúde brasileiro, que é muito focado nas especialidades médicas, muito focado no atendimento às doenças, e não tem um cuidado dedicado à prevenção, à promoção da saúde, ao acompanhamento do paciente ao longo da vida.
Então, esse é um ponto, uma discussão importante sobre a regulamentação da ANS, é preciso fazer esse debate no Congresso Nacional, porque, se continuarmos com o crescimento assustador das obrigações e dos custos para os planos de saúde, nós corremos o risco de a população não suportar os aumentos que estão sendo necessários e, aí, haverá uma sobrecarga do sistema público de saúde. Isso gera uma grande preocupação, afinal de contas, são mais de 50 milhões de usuários de planos de saúde no Brasil inteiro.
Que medidas podem ser tomadas para tentar amenizar os problemas que não levem necessariamente ao aumento no valor dos planos?
Temos trabalhado muito nesse sentido de construir um modelo de assistência que tenha muita qualidade – tanto é que nós temos hoje a maior rede hospitalar de Mato Grosso do Sul –, mas que também tenha preços justos.
Tanto é que nós temos uma receita média per capita de
R$ 372. Não tem nenhum plano no mercado com o modelo e com a qualidade assistencial que nós oferecemos que pratique valores abaixo de R$ 600. A grande maioria, [tem] valores de R$ 700, R$ 800 ou R$ 1.000, em média.
A gente consegue, com custo administrativo baixo e a nossa rede própria de atendimento, equacionar e racionalizar a utilização dos nossos recursos. Obviamente, há um esforço e um profissionalismo crescente dentro da Cassems para que isso seja possível, por meio dos nossos programas de prevenção, das linhas de cuidados implantadas aqui, mas, sobretudo, em razão de uma gestão muito austera que a gente pratica aqui na Cassems.
A judicialização da saúde é uma das medidas que têm crescido nos últimos anos. Como a Cassems lida com essa situação?
Esse é um fator também que tem pesado muito e eu esqueci de falar nas respostas anteriores: o custo assistencial realmente pesa muito.
Porque quando você tem um contrato estabelecido, quando você tem tratamentos que não são totalmente aprovados ainda, alguns experimentais, e eles são autorizados judicialmente, isso traz para a gente um desequilíbrio financeiro, e não há cálculo atuarial que suporte esse tipo de situações inesperadas.
Nós não temos muito o que fazer, nós cumprimos e continuamos questionando judicialmente em diversas instâncias para que a gente possa levar o nosso entendimento, os nossos fundamentos e, quem sabe no futuro, criar um consenso entre o sistema de saúde e o Judiciário, para que possa haver mais equilíbrio. Claro, sempre preservando o direito do beneficiário, do usuário da saúde por uma assistência à saúde de qualidade, esta é uma condição importantíssima para nós.
Após a pandemia da Covid-19 houve alguma mudança no público que utiliza os planos de saúde?
O que a gente percebe é que, depois da pandemia, as pessoas valorizaram mais os planos de saúde, mas as pessoas estão precisando usar mais.
Muitas deixaram de fazer suas avaliações de rotina, outras precisaram durante a pandemia de Covid-19 e agora estão utilizando o plano com muita frequência. O que a gente percebe é um aumento da incidência das doenças mentais, muitos casos de ansiedade e de depressão, foi uma situação muito traumática que todos nós vivemos.
Também, claro, com o caminhar da vida humana, a gente percebe diagnóstico de muitas doenças degenerativas, doenças reumatológicas, demências, doenças cardiovasculares muito predominantes na sociedade, mas em relação à faixa etária, não, a gente não percebe uma mudança de padrão.
A Cassems tem tomado alguma medida para impedir ou reduzir fraudes envolvendo planos de saúde?
Esse é um ponto muito importante, afinal de contas, nos últimos anos, tem-se observado um crescimento das fraudes contra planos de saúde.
Nós temos uma equipe de auditoria de enfermagem e de auditoria médica, nós temos um sistema de informática capaz de detectar realmente vários tipos de fraudes, mas, obviamente, nós estamos muito atentos às fraudes por reembolso médico que têm acontecido ultimamente.
Então, nós esperamos conseguir bloquear esse tipo de infração contra o plano de saúde que lesa todos. Cobrança de reembolsos por procedimentos não realizados, há aí um acordo entre o profissional de saúde e o usuário em que os dois tirariam vantagens indevidas de tal procedimento.
Quanto às mudanças no pós-pandemia, elas têm afetado de alguma forma o andamento e a saúde financeira das empresas?
Com certeza, da pandemia para cá, tivemos de investir muito. Primeiro, no tratamento da Covid-19 e no combate à pandemia. Foram investimentos muito importantes, na casa de R$ 290 milhões, tratando os pacientes, aumentando nossas estruturas, ajudando na vacinação da população, ajudando na testagem da população, e isso eram despesas que não existiam anteriormente e trouxeram um impacto significativo.
Nós tivemos realmente um aumento do custo assistencial muito importante nesses últimos três anos, e isso trouxe a necessidade de nos adaptarmos a uma série de coisas, como um modelo de contribuição.
Nós tivemos uma assembleia em que fizemos algumas mudanças no nosso modelo de contribuição, para que a gente possa corrigir algumas distorções que prejudicam o beneficiário, mas também para aumentar nossa receita e melhorar o nosso fluxo de caixa, afinal de contas, o beneficiário sempre quer uma melhor qualidade no seu plano de saúde.
Durante a pandemia, vocês também contribuíram no atendimento às pessoas infectadas com Covid-19. Como foi?
Nós chegamos a ter 500 pacientes internados com Covid-19 na Cassems, praticamente um terço dos pacientes que estavam internados no Estado inteiro.
Então, a gente teve um papel muito importante com os nossos 10 hospitais e com as estruturas que nós montamos para ajudar o Estado no combate à pandemia. Isso foi muito importante para a população sul-mato-grossense.
A respeito da assembleia desta quinta-feira (27) e das novas decisões, a Cassems poderá aceitar outros públicos como clientes?
Não há previsão estatutária até o presente momento que permita a abertura para o público geral e para empresas.
Perfil
Ricardo Ayache
Ricardo Ayache é médico cardiologista, formado pela UFMS. Membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), tem MBA em Gestão de Cooperativas de Saúde, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
É servidor concursado no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul e diretor-presidente da Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul (Cassems).