Relatórios de inteligência elaborados pela Abin durante o governo Jair Bolsonaro (PL) sobre a Covid-19 podem reforçar apurações sobre a conduta do ex-presidente no combate à pandemia.
Revelados pela Folha de S.Paulo, os mais de 1.000 documentos, alertam sobre aceleração dos contágios e mortes e apontam a vacina e o distanciamento como medidas efetivas contra a doença.
Ex-juíza do TPI (Tribunal Penal Internacional), Sylvia Steiner afirma que os documentos podem reforçar a leitura de que a conduta de Bolsonaro e de seus auxiliares não foi “simplesmente de descaso, foi uma conduta dolosa”.
“Se ficar comprovado que os documentos chegaram ao conhecimento do presidente e demais autoridades da saúde, confirma o conhecimento prévio e a intenção de ignorar esses fatos”, disse Steiner, que integrou a comissão de juristas que atuou na CPI da Covid.
Fora da Presidência, Bolsonaro ainda é pressionado por apurações sobre a Covid. O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulou neste mês uma decisão da Justiça Federal que havia arquivado parte de uma investigação sobre irregularidades cometidas pelo ex-presidente na pandemia.
O senador Humberto Costa (PT-PE) informou, nesta sexta (28), que acionou o Ministério Público que atua junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) e a Procuradoria da República no Distrito Federal para que apurem novas informações sobre a conduta de Bolsonaro no enfrentamento à Covid-19.
A iniciativa teve como base reportagem publicada na Folha de S.Paulo que mostrou que agentes de inteligência do governo Bolsonaro elaboraram mais de mil relatórios sobre a pandemia.
Para Alexandre Wunderlich, professor de direito penal que também fez parte do grupo de juristas da CPI da Covid, o relatório da comissão de inquérito do Senado já havia apontado “fatos objetivos, e infelizmente os órgãos de controle não deram a repercussão jurídica devida”.
“Foram revelados fatos graves, especialmente sobre a compra de vacinas. As ocultações dos relatórios [da Abin] só comprovam a necessidade de apuração e de responsabilização dos agentes públicos”, disse ele.
Os documentos projetaram o aumento no número de casos e mortes no Brasil, enquanto o ex-presidente boicotava medidas de combate à Covid-19 e o acesso às vacinas.
Para o petista Humberto Costa, que fez parte da CPI da Covid, Bolsonaro “agiu deliberadamente e com dolo para provocar danos à saúde da população brasileira e por consequência danos expressivos ao erário”.
“Esse genocida tem de ser condenado tantas vezes quantas forem necessárias para que pague pelos incontáveis crimes que cometeu contra o nosso povo”, afirmou em seu perfil no Twitter.
Para Costa, é inadmissível que Bolsonaro tenha ignorado as informações “com ações e omissões deliberadas, gerando sem dúvida alguns milhares de mortes e agravos à saúde dos brasileiros”.
Ele também disse à reportagem que o governo do ex-presidente se recusou a entregar informações fundamentais à CPI, “apesar dos reiterados pedidos que fizemos”.
Mantidos em sigilo durante a gestão passada, os documentos com carimbos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), GSI (Gabinete de Segurança Institucional) ou sem identificação de autoria foram produzidos ao menos de março de 2020 a julho de 2021.
Eles reforçam que Bolsonaro ignorou, além das recomendações do Ministério da Saúde, as informações que eram levantadas por agentes de inteligência e dentro do próprio Palácio do Planalto.
Os agentes da Abin e do GSI citam o distanciamento social e a vacinação como formas efetivas de controlar a doença, mostram estudos que desaconselham o uso da cloroquina e alertam sobre possibilidade de colapso da rede de saúde e funerária no Brasil.
Os relatórios ainda reconhecem falta de transparência do governo Bolsonaro na divulgação dos dados da pandemia, além de lentidão do Ministério da Saúde para definir estratégias de testagem e combate à doença.
Durante a pandemia, o GSI era comandado pelo general Augusto Heleno, enquanto a Abin estava sob chefia de Alexandre Ramagem, atual deputado federal pelo PL do Rio. Ambos eram aliados fiéis de Bolsonaro e foram procurados pela reportagem, mas não se manifestaram.
Os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil), Eduardo Pazuello (Saúde) também não quiseram comentar os relatórios. O ex-presidente Bolsonaro não se manifestou até a publicação deste texto.
folhapress