Governo teme que novas regras ambientais da União Europeia reduzam exportações brasileiras

A nova regra da União Europeia (UE) para barrar a compra de bens produzidos em áreas desmatadas entra em vigor na próxima quinta-feira (29).

Embora haja um prazo de 18 meses de transição, a medida é vista com preocupação pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por setores produtivos, que temem um recuo das exportações brasileiras ao bloco dependendo do modelo a ser adotado.

A UE é hoje um dos principais destinos das exportações do agronegócio brasileiro, sendo um mercado de peso para alguns produtos –como café. Sem a clareza de como algumas condições serão executadas, representantes do Brasil projetam um eventual aumento de custos como potencial entrave à venda de produtos nacionais ao bloco.

“Não basta que você cumpra a legislação europeia, é necessário um custo para provar que você cumpre a legislação, e esse é um aspecto que precisa ser levado em conta”, ressalta Tatiana Prazeres, secretária de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

A norma europeia torna obrigatório que as empresas importadoras sediadas no bloco implementem sistemas de diligência prévia para monitorar as cadeias de fornecimento e mitigar quaisquer impactos negativos dos bens estrangeiros que compram. Os produtos afetados pela nova legislação são gado, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha, madeira e derivados desses itens. As regras passarão a ser aplicadas em 29 de dezembro de 2024.

O objetivo, segundo os europeus, é minimizar o risco de degradação ambiental, promover biodiversidade, reduzir o peso da UE na crise climática e assegurar que os itens são produzidos de forma a respeitar os povos indígenas e os direitos humanos de forma geral.

Na prática, caberá aos exportadores comprovar que os produtos não são oriundos de áreas desmatadas. Caso contrário, estão previstas penalizações graves, como destruição das mercadorias. Para isso, será preciso aprimorar o rastreamento de toda a cadeia de produção por meio de ferramentas de monitoramento por satélite, auditorias e capacitação de fornecedores, por exemplo.

As autoridades brasileiras têm defendido junto à UE que sejam adotados dados provenientes de sistemas nacionais de monitoramento, como o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do governo brasileiro). Segundo pessoas envolvidas nas negociações, os europeus se mostraram abertos a cooperar.

Para integrantes do Ministério da Agricultura e Pecuária, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) poderia ser usado para comprovar o selo verde do produto brasileiro. Esse cadastro reúne informações das áreas de preservação permanente, reservas e áreas das propriedades rurais. Mas parlamentares da bancada ruralista e representantes do setor privado dizem que o registro não é unificado em todo o país e, portanto, essa não seria a certificação adequada.

Há dúvidas ainda sobre quem será responsável pelo certificado de produto sustentável a ser exigido pelo bloco europeu– e se seria uma agência brasileira ou internacional.

A partir desse histórico de informações, os países serão classificados pela UE em diferentes níveis de risco de desmatamento e degradação florestal. Como mostrou a Folha, a ideia do governo Lula é defender que o Brasil seja declarado um país de baixo risco de desmatamento.

Para aqueles que forem enquadrados como de alto risco, os requisitos para exportação ficarão ainda mais pesados.

Além da coleta de informações sobre os produtos, também será preciso apresentar uma avaliação sobre o potencial desmatamento, em caso de risco não desprezível, deve ser feito um projeto de mitigação.
Requerimentos adicionais de adequação implicam maior custo, que irão se refletir nos preços dos produtos que entrarão no mercado europeu, podendo potencialmente gerar perda de competitividade frente a produtores de outros países.

Outra discussão que se coloca é se o Brasil todo vai ser classificado em um único padrão ou se, por ser um país de dimensões continentais, as diferenças regionais serão levadas em consideração no nivelamento.
Alguns membros da equipe de Lula defendem que haja uma regionalização para as regras, considerando as particularidades de estados e biomas. O tema ainda passa por discussões para ser tratado na negociação com o bloco europeu.

Para o presidente do Instituto Pensar Agropecuária (IPA) e ex-deputado Nilson Leitão, o governo tem que garantir a soberania do país no debate, já que o Brasil “tem uma legislação que autoriza o desmatamento” parcial de cada área para o plantio –o que varia de acordo com a região. O Instituto reúne quase 50 entidades do setor produtivo agropecuário.

As condições para a UE comprar produtos, segundo auxiliares de Lula, não são consideradas descabidas e estão em linha com as exigências do mundo contemporâneo. São as indefinições sobre a aplicação dessas regras que geram insegurança, de acordo com a secretária de comércio exterior do Mdic.
“Muitos segmentos do agro brasileiro entendem que já atingem padrões de sustentabilidade reconhecidos internacionalmente. A grande dúvida é em que grau esse esforço e esse resultado vão ser reconhecidos nesse processo”, afirma.

“Se isso puder ser reconhecido, o custo de compliance [cumprimento de normas] é pequeno. Se isso não for levado em conta, você tem custos muito mais altos.”
Ainda não há uma estimativa do tamanho do impacto financeiro da medida, uma vez que os setores não são atingidos de maneira uniforme e existem custos diretos e indiretos.

Prazeres ressalta que há uma grande interrogação porque são os próprios europeus que definem a métricas, a metodologia e as bases do cálculo. “Você se vê numa situação em que a União Europeia é juiz e parte interessada ao mesmo tempo nesse processo. Evidentemente, essas barreiras contribuem para proteger o produtor europeu”, diz.

Ela também alerta que a atuação dos europeus traz risco de fragmentação nas regras do comércio internacional. “Sem uma metodologia comum, sem uma taxonomia comum, isso levará a uma multiplicação de barreiras ao comércio e aumento de custos.”

IMPACTO DA COBRANÇA DE TAXA DE CARBONO

Além da lei do desmatamento, outra regra que tem potencial de afetar o mercado exportador brasileiro é o mecanismo de controle de emissão de carbono na fronteira (Cbam, na sigla em inglês). Entre os setores mais afetados por esse ponto está o siderúrgico, por ser um dos principais emissores de dióxido de carbono no mundo.

A cobrança “antipoluição” será efetivada a partir de 2026, com início de uma fase transitória em outubro deste ano. O valor será ajustado com base no preço de carbono semanal na UE. Hoje, a taxa ficaria abaixo de 100 euros por tonelada de dióxido de carbono produzido, mas esse montante pode sofrer ainda grande variação nos próximos anos.

Marcela Carvalho, secretária-executiva da Camex (Câmara de Comércio Exterior), chama a atenção para o peso dessa taxa nos mercados emergentes. “O valor de 83 euros por tonelada de carbono emitido dá cerca de 3% do salário mínimo da Alemanha, mas dá 33% do nosso salário mínimo. Então, o impacto no mundo desenvolvido e em desenvolvimento é completamente diferente.”

Em um primeiro momento, a regra não irá considerar as emissões indiretas de carbono no cálculo– decisão que é tida como uma barreira excessiva a produtos brasileiros do setor siderúrgico, como aço, ferro e alumínio.

Para Carvalho, essa medida causa uma “desvantagem imensa para o Brasil em termos de competitividade”, visto que o país possui uma matriz energética mais limpa e poderia se posicionar melhor no mercado europeu frente a outros concorrentes.

Segundo pessoas envolvidas nas negociações, os europeus recentemente se mostraram abertos a entender outras metodologias e a debater a possibilidade de incluir as emissões indiretas no cálculo final do Cbam.
Além das novas regulamentações ambientais, a UE já é reconhecida por ser um mercado com travas de acesso de diferentes tipos, especialmente sanitárias e fitossanitárias, mas também barreiras técnicas e na área de serviços ou produtos.

 

 

fonte:folhapress

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